sexta-feira, 16 de julho de 2010

Era uma menina estranha. Calada e de pouco riso. Poupava as palavras até para falar com os próprios pais. Quando andava de carro, criança que era, sentava-se no banco de trás e com a pequena cabeça fincada entre o cinto do passageiro da frente e o banco - também da frente - ela abria a boca naquela frestinha de janela. Ia. Todo o tempo com a cabecinha naquele espacinho com a boca aberta brincando com o vento que dançava em suas bochechas. Havia quem acreditasse realmente que ela se alimentava de ar.

Era uma menina estranha. Olhos claros e franjinha na testa. Olhos claros e tristes. Não gostava de comer. Pouco brincava, e, dizia sua mãe, que era por preguiça de ter que guardar os brinquedos ao fim do dia ela. No fundo todos sabiam que aquela não era a verdade. Ela não brincava porque era diferente das outras crianças.

Era uma menina estranha. Por diversas vezes fora fitada pelos avós, inconformados, ao ve-la jogando banco imobiliário, sozinha. Sim, ela era todos os pinos ( e diz a lenda que ela sempre roubava para que o pino verde fosse o vencedor). Não tinha amigos, não gostava de ficar na rua. Apesar de tudo, sempre fora mimada.

Era uma menina estranha. De poucos sonhos. Poucas histórias pra contar. Poucas brincadeiras e poucos abraços. Não permitia, nem por decreto, que fosse fotografada; odiava. Ao contrário da maioria das crianças gostava de Mara Maravilha, não de Xuxa.

Era uma menina estranha, que gostava de livrinhos infantis. Um belo dia escolheu palavras aleatórias e resolveu escreve-las nas capas de TODOS os livros que tinha. Para a interrogação de todos, e, principalmente para a fúria de sua mãe ela cuidadosamente caligrafou em todas as capas "com ele saúda", até hoje ninguém, nem ela mesma, sabe o que quis dizer com isso.

Era uma menina estranha. Bem mais lenta que as crianças da sua idade. Bem mais sem graça. Bem mais tímida e recatada.

Com seu olhar triste passava mais tempo observando as cenas que aconteciam ao seu redor do que participando delas. Nunca quisera ser atriz principal.
Era uma menina estranha. Não gostava muito de doces, nem de desenho animado. Não sabia pular corda nem virar estrelinha. Fazia castelos de areia sozinha na beira da praia, sem fazer questão de companhia.

Era uma menina estranha. Não era carinhosa com ninguém além do avô. Passava todos os dias das férias escolares com ele no sítio fingindo (ou não) que se interessava por orquídeas e hortas. Não gostava de brincar no barro e tinha pavor de todos os bichos que apareciam.

Era uma menina estranha. Uma cinderela de all star. Sofria da sindrome do 'patinho feio'. Tinha medo do mundo e da vida, mas não imaginava o tamanho do coração que seu peito abrigava.

Era uma menina estranha. De olhos claros e tristes...

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